Diante da pandemia, a principal recomendação da OMS é para que, quem puder, fique em casa e mantenha o isolamento social. Deste cenário, permeado por medos, incertezas e crises, além da brusca quebra na rotina e a suspensão de planos a curto prazo, sentimentos como a solidão podem surgir, independente de estarmos sozinhos ou acompanhados de outras pessoas em nossos lares ou redes sociais. Mas essa solidão urbana que sentimos é fruto do isolamento social ou algo que já nos acompanhava e apenas tem se intensificado nesses tempos?
A psicanálise percebe a solidão como afeto inato e até necessário ao processo de subjetivação dos sujeitos. Entretanto, não significa que o isolamento social seja saudável ou que não devemos procurar equilíbrio em nossos relacionamentos pessoais, com a cidade e com nossas rotinas; tal fator possui impactos diretos na saúde mental. Há, ainda, quem faça o movimento contrário e busque se ocupar com rotinas agitadas, de modo a evitar encarar a solidão de frente, bem como as dores, angústias e vazios que cada indivíduo carrega consigo. Tal comportamento, frequentemente defensivo e inconsciente, também pode levar ao adoecimento.
Embora a solidão seja um sentimento inato, as cidades podem contribuir para amenizar ou intensificar as dores e os prazeres de ser só. Isso porque os espaços públicos podem afastar ou aproximar, excluir ou integrar, promover encontros ou invisibilizar. O desempenho do espaço público depende de como o concebemos enquanto lugar da materialização das relações sociais: aquelas que contribuem para o nosso desenvolvimento como sujeitos individuais e coletivos.
Portanto, a construção de espaços e cidades acolhedoras vai além de um zoneamento ou desenho urbano adequados tecnicamente. É necessário haver abertura ao diálogo entre diferentes saberes, para além do urbanístico como campo de conhecimento. A formação dos espaços públicos da cidade devem fazer interface com princípios psicológicos, sociais e ambientais, proporcionando sociabilidade, acolhimento, salubridade e conforto ao meio em que vivemos e nos relacionamos. Só assim, as cidades podem despertar em nós o desejo de permanecer e existir, quer seja em companhia ou solitude.
Por: Victória Nicolosi | Psicóloga | CRP: 12/16924