É possível notar que o uso da palavra “sustentabilidade” em projetos – de qualquer natureza – tem perdido credibilidade e significado nos último anos, tanto pela abrangência de sua definição quanto pela superficialidade de sua aplicação. No entanto, projetos arquitetônicos e urbanos sustentáveis são sim necessários e vão além do uso de produtos certificados ou energia renovável. Eles devem tocar igualmente os três pilares que definem o conceito de sustentabilidade: o ambiental, o econômico e o social. Dentre eles, o último é o menos visado, talvez pela dificuldade da aplicação de métricas, talvez pelo resultado vir a longo prazo, mas sua importância é fundamental para a obtenção de um projeto verdadeiramente sustentável.
Sustentabilidade como ferramenta de marketing: o “greenwashing”
Foi na Conferência de Estocolmo, organizada pela ONU em 1972, que iniciou-se a discussão da degradação ambiental como problema global, reconhecendo a necessária busca por um desenvolvimento econômico mais equilibrado, que respeitasse os recursos naturais do planeta. Mais tarde, o conceito de desenvolvimento sustentável foi formalizado a partir do Relatório Brundtland, em 1987, com a definição clássica de desenvolvimento sustentável como “o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações”.
Bonito – MS. Foto: Lis Cavalcante
Em 1992, um novo encontro mundial aconteceu no Rio de Janeiro, a ECO-92, cujo principal documento produzido foi a Agenda 21, que estabeleceu a importância de cada país a se comprometer com a um novo padrão de desenvolvimento, refletindo sobre os problemas socioambientais. A partir daí, inúmeras iniciativas foram sendo criadas nas últimas décadas, além de diversas conferências, certificações, produtos, tecnologias, etc.
No entanto, é necessário tomar cuidado com produtos e ações “verdes” que se dizem responsáveis ambientalmente, mas que no fundo não passam de ferramentas de marketing para alavancar vendas ou justificar práticas irresponsáveis. Greenwashing, portanto, é o termo em inglês que descreve o ato de induzir consumidores a acreditarem nas práticas ambientais de uma empresa ou nos benefícios ambientais de um produto ou serviço de forma errônea.
Um exemplo clássico foi o caso da empresa Mobil Chemical, que lançou sacolas “biodegradáveis” que na verdade se comportavam como sacolas comuns, não sendo decompostas se jogadas em aterros sanitários, somente quando deixadas no sol, e ainda assim eram apenas reduzidas a pedaços menores de plástico. O próprio porta-voz da empresa admitiu que a tal biodegradabilidade era nada mais que uma ferramenta de marketing para vender mais sacolas.
Usuário Flickr Alan Levine, licença Attribution 2.0 Generic (CC BY 2.0)
No ramo da construção civil não é diferente: quantos empreendimentos imobiliários vendidos como “verdes” estão inseridos em APPs (Áreas de Preservação Ambiental), impactando os recursos naturais circundantes? E quantos pouco levam em consideração os condicionantes sociais?
O fator humano da sustentabilidade
Como dito anteriormente, “sustentabilidade” é definida por três dimensões: a ambiental, a econômica e a social e, para ser “verdadeiramente” sustentável, é necessário olhar para os três aspectos. Na literatura especializada, são inúmeros os estudos centrados na dimensão ambiental, buscando soluções para reduzir o impacto ambiental das mais diversas atividades, assim como a dimensão econômica, com estudos extensos sobre tecnologias e estratégias para redução de custos com energia ou e/ou operações.
No entanto, a dimensão social é uma das menos exploradas, é a mais difícil de medir e está geralmente atrelada às dimensões econômicas e ambientais – a sociedade como uma ameaça aos recursos naturais ou o ser humano como objeto do aumento da produtividade para redução de custos.
Autores como Magis e Shinn (2008) afirmam que a sociedade deve ser sustentada por direito próprio e, por isso, a sustentabilidade social tem papel fundamental na sustentabilidade como um todo, uma vez que são os seres humanos, individual ou coletivamente, que irão determinar níveis de bem-estar econômico ou ambiental. Para Larsen (2008), sustentabilidade deve pensar primeiro nas pessoas, como elas fazem suas escolhas e suas respectivas consequências.
Esses autores também apontam que há quatro condições principais que apoiam o bem-estar social e, consequentemente, a sustentabilidade social. Essas condições possibilitam a criação de movimentos que equilibram interesses múltiplos e diversos, guiam políticas e encorajam a resiliência:
- O bem-estar humano (suprimento das necessidades básicas e segurança);
- A igualdade (garantia de um compartilhamento igualitário dos benefícios e custos da sociedade);
- O governo democrático (governança orientada à população); e
- A sociedade civil democrática (empoderamento da população para participar do processo democrático).
O caminho a partir da interdisciplinaridade
Dessa forma, o papel da interdisciplinaridade torna-se ainda maior quando abraçamos a dimensão social da sustentabilidade, uma vez que o bem-estar humano depende de condições culturais, econômicas, sociais, ambientais e políticas. É necessário criar políticas urbanas que promovam a interação social e a participação pública na tomada de decisões, tornando comunidades entes vivos, coesos e integrados; encorajar a colaboração entre os diversos atores para a resolução de problemas; oferecer acesso aos serviços básicos, ao espaço público de qualidade, ao emprego, saúde, etc.
Portanto, sustentabilidade não se reduz apenas a uma tecnologia “verde” ou a utilização de materiais reciclados numa praça. É criar a oportunidade para as pessoas prosperarem, aumentando sua integração social, participação e qualidade de vida. Ir além dos relatórios de responsabilidade social empresariais e repensar questões éticas centrais de suas operações. A dimensão social da sustentabilidade não tem a ver com a capacidade do ser humano ser mais produtivo trabalhando num edifício certificado, mas aumentar seu engajamento cívico e sua responsabilidade sobre o consumo, suas escolhas e até mesmo suas atitudes.
Referências
MAGIS, Kristen; SHINN, Craig. In: Understanding the Social Dimension of Sustainability. Emergent Principles of Social Sustainability. Nova York, 2008. p-15-44.
LARSEN, Gary L. In: Understanding the Social Dimension of Sustainability. An Inquiry into the Theoretical Basis of Sustainability. Nova York, 2008. p-45-81.