O WRI publicou em seu blog um indicador interessante sobre a informalidade no mercado de trabalho em cidades abaixo da linha do Equador – o chamado “sul global”. Segundo a publicação, esta modalidade já corresponde entre 50% a 80% da força laboral urbana na América Latina, Ásia e África.
Localizando essa discussão no contexto brasileiro, o dado procede. De acordo com um levantamento do IBGE, em 2017, pela primeira vez o número de trabalhadores sem carteira assinada ultrapassou o número daqueles que possuem registro formal. Ou, colocando de outra forma: no ano passado, 7 em cada 10 empregos no Brasil foram gerados na informalidade.
Esse é um problema geralmente refletido em e enfrentado por políticas macroeconômicas. No entanto, a solução para empregos gerados informalmente também pode ser pensada a partir do impactos das crises sistêmicas na vida urbana contemporânea. Explico:
O tabu
Há uma tendência generalizada em aderir essas pautas através da cobrança em investimentos que resultem em geração de emprego formal. Isso acontece por diversos motivos que residem em um imaginário social e político no qual país bem sucedido é aquele onde todos têm direito a assinar carteira, bater ponto e executar ordens de segunda a sexta das 08h às 18h.
Obviamente, direitos trabalhistas são importantes (apesar de cada vez menores e mais escassos). Mas não se trata disso. Nem sempre (para não dizer quase nunca), esse mesmo imaginário leva em consideração que a sua própria existência se dá no espaço urbano, e não em algum tipo de vácuo existencial econômico. Com isso, quero dizer que toda ação de desenvolvimento incide diretamente sobre o bairro em que vivemos, a região onde trabalhamos e os lugares onde praticamos nosso lazer.
Ou seja, quando a métrica do sucesso nacional é atrelar a força de trabalho ao desenvolvimento econômico, o que ocorre na prática é um condicionamento de TODA a vida urbana aos intemperes do modo de produção (capitalista, cujo objetivo final é o lucro).
Logo, se há emprego para todos, então as pessoas circulam, consomem, fazem turismo… Enfim, se apropriam de tudo o que o espaço urbano, em caráter público ou privado, têm a oferecer. Inclusive, a própria oferta aumenta. Tudo funciona muito bem quando a conjuntura é favorável.
No entanto, quando a crise econômica bate à porta, um dos primeiros reflexos observados é justamente a redução de emprego formal e aumento do trabalho informal. O problema reside neste ponto: o “efeito rebote” da bonança é muito mais severo com a vida urbana: abandono dos espaços, pouca circulação, aumento das pessoas em situação de rua, dentre várias outras mazelas.
Ao mesmo tempo, a história nos mostra que, invariavelmente, nos cenários de crise, a saída adotada é meramente econômica: ajustes austeros para agradar quem, no fim das contas, detém o poder de permitir ou não o avanço das políticas de geração de empregos formais. E assim o ciclo se repete.
O potencial local da informalidade
Contudo, parece que saturou. São 7 trabalhadores informais em cada 10 no Brasil, e 8 no cenário sul global. Não é mais sustentável, do ponto de vista urbano, esperar que tudo se resolva na geração de emprego formal padrão. Tampouco é razoável se contentar apenas com políticas de Estado que “formalizam” a condição informal do ponto de vista jurídico, fiscal, etc.
Naturalmente, não estou propondo abandonar as máquinas. Seria insano. Mas é preciso diminuir, gradativamente, a dependência do desenvolvimento urbano enquanto desenvolvimento econômico. É hora das cidades também serem protagonistas do seu próprio desenvolvimento. Cada qual com a sua história, valores culturais e potencialidades, assumindo para si o desafio de transformar a informalidade de suas pessoas em desenvolvimento local inclusivo de verdade.
Nesse mesmo report do WRI, a colaboração desponta como um vetor interessante para formalizar a necessária mudança do paradigma da informalidade. Por isso acreditamos no urbanismo colaborativo: porque não vivemos no vácuo da existência econômica, como nosso imaginário nos faz crer. Vivemos no espaço concreto, materializado, físico e urbano – que é por si mesmo seu próprio e constante desenvolvimento.
Vamos juntos?